Um mês de trabalho, dança e bolas de sabão

O contacto próximo com a população local acompanhou toda a atividade missionária do grupo

Durante um mês, jovens e adultos portugueses colocaram-se ao serviço da comunidade angolana de Funda: promoveram consultas médicas, distribuíram sopa e pão, construíram um baloiço, pintaram balizas e salas de aula, e distribuíram um conjunto variado de bens. Provocaram muitos sorrisos, e contam que dançaram “muito, muito mesmo”

 

Texto: Juliana Batista

 

Um grupo de voluntários portugueses ligados aos Missionários da Consolata esteve durante o passado mês de agosto em missão em Funda, em Angola. Ao longo deste período, os voluntários realizaram consultas médicas e prescreveram medicamentos oferecidos por uma farmácia portuguesa. Alertaram a comunidade para importância do lixo não ser deixado nas ruas, e, com a população local, amontoaram resíduos, queimaram-nos e fizeram covas para que as pessoas as usem no futuro para a queima de detritos. Deram formações sobre saúde pública e reprodutiva, promoveram a construção de uma cozinha comunitária, e prepararam um terreno para a criação de uma horta comunitária, o que envolveu a remoção de pedras e raízes, e o nivelamento daquele espaço. Pintaram balizas, distribuíram bolas de futebol, sopa e pão, e entregaram bens doados como material escolar, vestuário e brinquedos.

 

Para a Escola de São José Operário, os voluntários compraram bancos, construíram uma estante, um baloiço e pintaram as salas de aula. “Organizámo-nos em equipas, de rolo e pincel na mão, com a ajuda de algumas crianças da comunidade que apareceram curiosas e depressa quiseram participar. Foi bonito ver como, entre pinceladas e gargalhadas, todos deram o seu contributo. Aproveitámos também para fazer algumas pequenas melhorias práticas, como tapar com espuma alguns buracos no telhado, ajudando a proteger a sala da chuva e a torná-la mais acolhedora para quem ali aprende todos os dias. Durante as pausas, brincámos com as crianças que por ali estavam, porque o trabalho nunca nos afasta do espírito de missão e da alegria de estar com elas. No fim, cansados mas contentes, olhámos para a sala já com cor e imaginámos o que virá a acontecer ali dentro: histórias, aprendizagens, sonhos e muitos sorrisos”, contam os voluntários no diário da sua experiência missionária, disponível em instagram.com/missaoprofunda/.

 

Com os mais novos, os voluntários jogaram à bola, saltaram à corda e sopraram bolas de sabão

Os portugueses compraram também utensílios para a cozinha comunitária e distribuíram dezenas de cabazes. “Os 50 cabazes, preparados com muito cuidado e carinho, foram destinados a 25 famílias numerosas e a 25 idosos que vivem em condições muito precárias, onde muitas vezes a alimentação depende da partilha entre vizinhos e da generosidade da comunidade. O momento da entrega encheu-se de simplicidade e verdade. As mãos que recebiam os cabazes eram mãos marcadas pelo trabalho, pela vida, mas que ainda assim se estendiam com humildade e gratidão. Vimos olhares que se enchiam de alívio e esperança, sorrisos tímidos que se abriam pouco a pouco e até algumas lágrimas que diziam mais do que mil palavras. É impossível ficar indiferente quando se percebe como um saco de arroz, um pouco de óleo ou alguns quilos de farinha de milho podem ser o suficiente para garantir várias refeições numa casa cheia de crianças, ou para aliviar a preocupação de um idoso que tantas vezes se vê sozinho.”

 

Os voluntários tiraram muitas fotografias, mas nem todos os momentos foram registados, como o ato de entrega de três computadores doados. “Optámos por não tirar fotografias, porque sentimos que era um instante íntimo e de grande significado. Mas guardamos no coração a certeza de que os jovens escolhidos vão saber tirar o melhor partido desta oportunidade.” O grupo visitou um espaço onde são acolhidos “ex-leprosos que enfrentam exclusão social”, e um museu dedicado à escravatura. “Foi pesado estar diante dos objetos e perceber de forma tão concreta a dor e a injustiça que marcaram tantas vidas.”

 

Conhecer o Centro de Medicina Natural das Irmãs Servas do Espírito Santo deixou os portugueses maravilhados. “Ali, mais de 300 plantas medicinais são cultivadas, preparadas e transformadas em soluções que tratam desde pequenas indisposições até doenças mais complexas. Foi impressionante perceber como o conhecimento tradicional, aliado ao cuidado e dedicação das irmãs, oferece alternativas eficazes e acessíveis para a comunidade.” Os embondeiros impressionaram jovens e adultos. “Conhecemos os famosos embondeiros, as árvores majestosas que fazem parte do nosso logótipo e agora também das nossas memórias. Estar diante deles foi como ver o símbolo da missão ganhar vida.”

 

Durante a missão, o confronto com as desigualdades veio à tona. “Almoçámos no ‘Shopping Fortaleza’ e percorremos algumas das ruas mais marcantes da cidade, passando pela Igreja da Sagrada Família. Foi impossível não reparar nos contrastes que a capital nos apresenta: prédios novos a erguerem-se ao lado de edifícios antigos e degradados. Modernidade e fragilidade de ‘mãos dadas’ na mesma paisagem.”

 

Voluntários foram recebidos na missão de Funda com uma Missa repleta de cânticos e dança

Os momentos de aprendizagem aconteceram não só antes da partida em missão, mas também em solo angolano. “Aprendemos sobre as raízes de Angola desde os tempos pré-coloniais até aos desafios e conquistas atuais. Ouvimos falar da diversidade étnica, dos traços culturais e da importância das comunidades no tecido social angolano.” Os voluntários aprenderam também sobre “a religião em Angola: desde o papel da Igreja Católica no pós-independência até à convivência com outras expressões de fé”. “Falámos sobre o sincretismo religioso e a espiritualidade profundamente presente no dia a dia do povo. A partilha ajudou-nos a perceber melhor a fé vivida com corpo e alma.”

 

O grupo teve um contacto muito próximo com a população, sobretudo com os mais novos. “Entregámo-nos de corpo e alma às crianças da comunidade, entre bolas de futebol, bolas de sabão, corda de saltar e unhas pintadas. Rimos, corremos, jogámos e dançámos, e no meio de tanta energia sentimos que também nós voltámos a ser crianças, livres e felizes, apenas a viver o momento.”

 

Ir à manicura revelou-se uma surpresa. “As voluntárias apoiaram negócios locais de forma muito prática… Foram fazer as unhas! Curiosamente, em Angola, são maioritariamente homens que realizam a manicura e fazem a manutenção, algo que nos surpreendeu e nos fez apreciar ainda mais este momento.”

 

Esta experiência ficou ainda marcada por cânticos africanos, “cheios de vida e cor”, e também pela dança – “Dançámos muito, muito mesmo”. Ao longo de um mês repleto de tantas histórias, nunca ficaram de lado momentos de reflexão, oração e partilha. “Partimos com a alma cheia, gratos por cada experiência, cada pessoa, cada gesto partilhado. Deixámos Funda e regressámos a Portugal, com o coração cheio de emoções difíceis de traduzir em palavras. Por um lado, a tristeza de partir e deixar para trás tantas pessoas, rostos, histórias e momentos que já fazem parte de nós. Por outro, a alegria de regressar às nossas famílias e amigos que nos esperam de braços abertos. E, no meio deste turbilhão, a sensação de missão cumprida, porque sentimos que ajudámos e deixámos algo de nós, mas também aquela impressão inevitável de que poderíamos sempre ter feito um pouco mais.”

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