“Tudo o que se faz na Igreja ou é evangelizador ou não se justifica fazer”

(Last Updated On: 19/04/2023)

Os  Missionários da Consolata a trabalhar em Portugal estiveram reunidos em Fátima nos dias 17 e 18 de abril para um Encontro de Formação. Joaquim Franco e Eugénio Fonseca ajudaram à reflexão. O superior regional IMC e o vice também estiveram presentes.

 

Texto e fotos: Albino Brás

 

“Dimensão social da evangelização – o bem comum, a paz social e a inclusão social dos pobres”, foi o tema central do encontro nacional de formação dos Missionários da Consolata (IMC), que teve lugar nas suas instalações em Fátima, e que contou com a participação de quase todos os membros das seis comunidades que o IMC tem atualmente em Portugal. Para ajudar à reflexão e ao debate, os missionários contaram com a ajuda de dois convidados: Joaquim Franco – Jornalista TVI, Coordenador e editor de Religião e Cidadania, TVI e CNN Portugal. Eugénio Fonseca – Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado e ex-presidente da Cáritas Portuguesa.

O padre Bernard Obiero, conselheiro da Região IMC Europa, conduziu o encontro. 

Joaquim Franco: “A Igreja empodera outros”

 

Na manhã do primeiro dia, Joaquim Franco começou por partilhar com os presentes a alegria que sentiu quando, em 2013, Mario Bergoglio foi eleito Papa. Um papa que, segundo ele, “ousou sonhar uma igreja missionária no mundo”. E acrescenta que considera Francisco “profundamente identificado com os pobres”.

 

Joaquim defende que tudo o que nós fazemos tem um impacto social e politico e, portanto, à imagem do Papa Francisco, os cristãos devem perder o medo de assumir uma dimensão política da fé. E político no “sentido mais nobre do termo, da gestão da polis”. O que não significa que a Igreja se deva envolver diretamente “na política partidária”. No entanto, a Igreja tem a capacidade de “empoderar outros”, rematou, e citou até São João Paulo II, quando escreveu que “a política é uma das formas mais elevadas de caridade”.  

 

Joaquim Franco revisitou algumas passagens de encíclicas e exortações apostólicas do Papa Francisco, sublinhando o empenho deste pontífice com o compromisso social e político dos cristãos de hoje. “O Papa Francisco condena o liberalismo económico-financeiro”, faz questão de salientar Joaquim Franco, que trouxe ainda exemplos de figuras da história recente do nosso país, como foi o caso de D. Manuel Martins, que se comprometeu sem reservas nas décadas de 70 e 80 com a defesa dos mais pobres da sua diocese de Setúbal, e que por esse profetismo de denúncia até chegou a ser apelidado de ‘bispo vermelho’. 

 

Joaquim Franco lamenta que em alguns setores da Igreja nota-se uma clara ausência de responsabilidade social, vivendo-se do “teatralismo religioso”. Lamenta ainda que haja movimentos dentro da Igreja que promovem modelos “de segregação e não de comunhão”, e considera que é preciso “semear” uma nova forma de estar na Igreja e na sociedade, de promovendo “uma cidadania ética e moralmente corresponsável”.

 

Num segundo momento, o jornalista da CNN Portugal apresentou algumas ideias sobre solidariedade. Entende que “ser cristão é sentir desconforto de saber que a meu lado há alguém que sofre e que, por inoperância minha, pode sofrer mais”, e que nos últimos anos tem-se notado um crescente individualismo e falta de participação cívica, nomeadamente no campo do voluntariado. 

 

Joaquim Franco deu testemunho do seu compromisso como cristão, como integrante dos Órgãos Sociais da Santa Casa da Misericórdia da Amadora e não só, mas também no mundo da comunicação, onde não prescinde da sua independência e imparcialidade, mesmo quando deve tratar temas de religião, de que é especialista. 

 

Finalizando esta primeira intervenção do dia, Joaquim referiu o trabalho e a missão dos Missionários da Consolata. “Considero que os Missionário da Consolata estão no bom caminho. Trabalham no terreno e semeiam o Evangelho a partir de uma ética cristã”. 

Eugénio Fonseca: “A Igreja não pode perder os pobres”

 

Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado e ex-presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio Fonseca desenvolveu a sua reflexão a partir da inclusão social dos pobres. 

 

Aquele que foi até há pouco tempo presidente da Caritas Portuguesa, começa por perguntar: “Será que a Igreja que está em Portugal já faz uma opção preferêncial pelos pobres?”, e em seguida  chama a atenção para um perigo à espreita: “Até há uns anos atrás os pobres faziam opção preferencial pela Igreja, mas hoje não sei se a Igreja faz opção preferencial pelos pobres. A Igreja pode perder os pobres e se isso acontecer pode perder a sua maior riqueza”.

 

Eugénio foi contundente ao afirmar que tudo o que se faz na Igreja “ou é evangelizador ou não se justifica fazer”. Tudo deve ter uma dimensão evangelizadora, também a área social. “Se Deus é amor, a linguagem que melhor evangeliza é a linguagem do amor, da caridade”.

 

Depois de deixar alguns números atualizados sobre a pobreza em Portugal, Eugénio Fonseca procurou derrubar algumas narrativas perversas, estereótipos e chavões que se foram criando: “Há uma ideia preconceituosa relativamente aos pobres que diz que é pobre quem não quer trabalhar, mas a verdade é que há uma grande percentagem da população que trabalha mas continua pobre”.

 

Diz que a pobreza não tem porque ser uma fatalidade e que o próprio Jesus sempre combateu a pobreza. Lamenta ainda que quase metade das paróquias católicas não têm qualquer tipo de ação sócio-caritativa organizada. “Temos a catequese, temos a liturgia e depois não temos a caridade”, frisou. Por outro lado, advertiu que não se pode deixar a caridade nas paróquias e na Igreja apenas à responsabilidade de associações de fieis, como as Conferencias Vicentinas. Quem preside à caridade “é o pároco”, e esse é “um serviço e uma responsabilidade de toda a comunidade paroquial”. 

 

Fonseca fez questão ainda de distinguir entre o que é assistência e assistencialismo. Assistência é o primeiro ato que as pessoas devem ter (exemplo; alguém está com fome, ferido,… e deve ser imediatamente atendido, como aconteceu com o samaritano do evangelho) e assistencialismo é não se questionar porque é que, por exemplo, passado determinado tempo permanece faminto. Devemos questionar as estrutura assistencialistas, que perpetuam a pobreza. Perguntar porque é que o pobre continua pobre? Não existe “o meu pobre”, não temos que andar com as pessoas permanentemente “ao colo”, advertiu. Neste sentido, Eugénio defende que a Igreja deve gerir a pobreza mas também atenuar as causas dessa mesma pobreza. 

 

Se até há pouco anos, os pobres correspondiam àqueles que tinham menos instrução, Eugénio diz que os novos pobres são pessoas instruídas, licenciados…, são aqueles que continuam aos 30 anos a viver na casa dos pais, sem um salário digno e sem acesso à habitação

 

Para Eugénio da Fonseca, a Igreja é a instituição que está melhor posicionada para dar voz aos pobres. “Não esqueçamos de incluirmos os pobres nas nossas comunidades cristãs. E deixar que eles falem de si mesmos”.

Partilhas finais

Na manhã do segundo dia deste encontro de formação, fomos convidados pelo padre Bernard a partilhar alguns questionamentos interpelações e notas que as reflexões dos dois conferencistas do dia anterior tenham deixado nos presentes e do que daí se pode levar para a nossa práxis missionária quotidiana.

 

Constatou-se que em Portugal, apesar de termos alguma dimensão social na nossa missão, nomeadamente através do projeto anual de solidariedade, do trabalho socio-caritativo e de atenção aos pobres a partir dos nossos centros missionários e ambientes paroquiais, além do compromisso firme da Fundação Allamano, com as dezenas de refugiados que acolheu, falta uma estrutura pensante e organizativa que estruture tudo isso. Algo que na verdade já existe há muito no papel mas que na prática ainda não funciona, pois nem sequer se reuniu ainda: a Comissão Cooperação e Justiça e Paz. Urge portanto colocar estas ferramentas a funcionar. 

 

O superior regional, padre Gianni Treglia, na linha do que disse Eugénio Fonseca, desafiou os missionários a passarem do assistencialismo a um empenho sério com os mais pobres. De resto, partilhou o sentimento de que devemos nos esforçar por dar uma identidade missionaria à nossa presença na Europa. 

 

Houve uma chamada de atenção também para um tema recorrente nas reuniões e assembleias do missionários, mas que tem deixado ainda muito a desejar: a Comunicação. Constata-se um défice comunicacional. Comunicar mais, é a ordem. É algo que se deve imcrememtar. Deve haver uma maior comunicação de vida, de decisões, de projetos a realiza ou em andamento. Mais sinodalidade. Além disso deve-se aumentar e qualificar a comunicação escrita nos nossos sites e plataformas digitais. A comunicação também faz Missão! 

 

As partilhas continuaram depois, já não tanto sobre o tema da formação propriamente dito, mas com informações internas da vida da Região Europa, do Grupo IMC Portugal e do Instituto. 

 

Este encontro contou com a presença de cerca de 30 missionários oriundos das comunidades de Águas Santas (Maia), Palmeira (Braga), Bairro do Zambujal (Amadora), Cacém, Fátima e Lisboa. Vindos da Itália estiveram igualmente presentes os padres Gianni Treglia e Michelangelo Piovano, respetivamente o superior e o vice-superior da Região Europa.