Desflorestação, extração de riquezas naturais, conflitos com povos indígenas e incêndios. Estes são alguns dos problemas que assolam a Amazónia, onde muitas comunidades cristãs são lideradas por mulheres. Os Missionários da Consolata acompanham a vida desses povos há décadas, e compartilham com eles jornadas de angústia e esperança

O padre moçambicano Eugénio Bento chegou há seis anos a Boa Vista, capital do estado do Roraima, no extremo norte amazónico do Brasil e começou por se espantar com o que viu: a capacidade de liderança das mulheres das comunidades cristãs na Amazónia é uma realidade. Naquelas comunidades, elas são catequistas, acompanham famílias, orientam velórios e não só. “As mulheres fazem a Celebração da Palavra, visitam quem está doente e levam-lhes a comunhão”, disse o Missionário da Consolata em declarações à FÁTIMA MISSIONÁRIA na Cova da Iria (Ourém).
O padre Eugénio tem 36 anos, é natural de Mecanhelas (província do Niassa, no norte de Moçambique), e está há seis anos em missão na cidade de Boa Vista, a capital do estado de Roraima. A comparação com o seu país natal é inevitável: “Moçambique tem mulheres, mas a coordenação e liderança cabe, em maior número, aos homens. Na Amazónia encontro o contrário”, refere o missionário. “Fiquei muito surpreendido com esta participação na evangelização. As mulheres na Amazónia fazem um trabalho muito bonito, maravilhoso.”
Cada comunidade cristã na Amazónia tem uma coordenação. “Temos 14 comunidades. São 14 igrejas e dois padres. Numa dezena de comunidades são mulheres que estão à frente. Essa presença feminina na Igreja é muito importante. Se tirarmos as mulheres, a igreja fica muito vazia”, indica o missionário, acrescentando que em “muitas sessões de formação”, são mulheres que estão lá. “Às vezes, essas mulheres já estão há cinco ou dez anos à frente da comunidade e fazem-no muito bem.”
Esta liderança feminina acontece num contexto em que o número de padres é escasso. “A diocese de Roraima tem cinco ou seis padres diocesanos. É um número muito pequeno para aquela região.” Esta situação é ainda mais acentuada nas comunidades ribeirinhas, isto é, aquelas que vivem junto ao rio, e que sobrevivem com recurso à pesca e àquilo que cultivam, e que pode envolver a apanha de frutas, como o açaí e o cacau. “Nessas comunidades, no máximo, os padres vão lá duas ou três vezes por ano” porque são muito poucos.
Foi aí que o padre Eugénio se espantou de novo. “Quando cheguei a estas comunidades ribeirinhas fiquei um pouco surpreendido porque são comunidades que, a nível de fé, têm um grande avanço. Mesmo na ausência dos padres, as mulheres, sobretudo, levam a vida da comunidade para a frente. Mulheres que não são religiosas consagradas, são leigas.” Eugénio Bento afirma que se está perante “uma Igreja que caminha com os leigos”, que se “sentem participantes da missão” evangelizadora. “Fico admirado com o trabalho das mulheres. São líderes.”
Extração de riquezas
Parte da região amazónica brasileira é constituída por bens de interesse mundial, como o látex, ouro, prata, cacau, madeira, petróleo, e, entre outros, o gás natural. A riqueza mineral deste solo é cobiçada desde o período colonial até à atualidade. A extração desses bens tem causado danos no solo e na vida dos que lá habitam, tal como refere o padre Eugénio: por exemplo, o mercúrio que é usado na extração ilegal daquele ouro, de modo a separar o metal de sedimentos, “contamina as águas”.
Já a criação de gado ilegal tem levado à desflorestação, com criadores de gado a usurparem terras a pequenos agricultores e povos indígenas, de acordo com um recente relatório da organização Human Rights Watch. É perto das cidades com maior concentração de cabeças de gado que estão as zonas com as maiores taxas de desflorestação e incêndios, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia. A procura por petróleo na costa da Amazónia tem motivado protestos de organizações ambientalistas.
Este ano, um relatório da organização britânica Earthsight mostrou que as cadeias de abastecimento que fornecem couro para carteiras de luxo estão ligadas à pecuária ilegal na floresta amazónica. O documento desta organização não governamental revela como a criação de gado no estado brasileiro do Pará está associada à desflorestação ilícita e à ocupação de territórios indígenas.
Demarcação de terras
A Amazónia é também casa de centenas de grupos étnicos. Os Missionários da Consolata estão ao serviço em diferentes pontos deste território, incluindo na diocese de Roraima, onde estão há 77 anos, e em Catrimani, onde vivem há 60 anos. “No Roraima, quase 80 ou 90 por cento dos padres dedicam-se à causa indígena”, indica o padre Eugénio.
Sempre envolta em conflitos tem estado a demarcação de terras indígenas no Brasil, que ganhou força com a Constituição de 1988, que reconheceu o direito originário dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam. As tensões deram-se, sobretudo, com os setores do agronegócio, mineração e envolveram também usurpadores de terras. Estes conflitos originaram tensões políticas, ações judiciais e, em muitos casos, violência contra os povos indígenas, tornando a demarcação não apenas um ato jurídico, mas uma batalha constante por reconhecimento e proteção territorial.
“No tempo da demarcação das terras indígenas os Missionários da Consolata apoiaram a questão da demarcação. Então, aqueles que não queriam a demarcação, não viram isso com bons olhos. Houve até um tempo em que os padres eram perseguidos. Uma missão católica foi queimada por causa desse ódio”, refere o missionário moçambicano.
Carlo Zacquini, um irmão Missionário da Consolata de 88 anos que trabalha há 60 anos em Roraima, traça um relato dos dramas daquele povo. “Estão destruindo as matas, envenenando os rios com mercúrio, destruindo o meio ambiente e a vida tradicional do povo yanomami. [Há] violações, corrupção, introdução de doenças, e destruição dos recursos alimentares e a cultura deste povo”, contava o missionário, citado pelo Vatican News, o portal de informação da Santa Sé, no ano passado.
Por ocasião dos 60 anos da Missão Catrimani, assinalados no passado mês de agosto, realizou-se um encontro para celebrar a data. Segundo a equipa da Missão Catrimani, neste encontro foi apresentada uma breve história desta missão, que envolveu “lutas” contra “epidemias e invasores”, e grandes esforços em prol do acesso à saúde, educação e “pela demarcação da Terra Indígena Yanomami”. Isso “implicou a retirada de milhares de garimpeiros que tinham invadido e explorado a área, o que representou uma vitória para a causa indígena e a proteção ambiental”.
A COP30 e a proteção das florestas
A Amazónia é o lugar com maior biodiversidade do planeta e a sua preservação é, desde sempre, uma batalha constante. Este foi, aliás, um dos vários assuntos em análise na Cimeira do Clima (COP30), que decorreu na cidade amazónica de Belém, entre os passados dias 10 e 21 de novembro. O propósito da cimeira era o de definir medidas para combater a emergência climática, mas à data de fecho desta edição, ainda não era conhecido o acordo resultante do encontro. Contudo, logo no primeiro dia da COP foi discutida a “Declaração de Belém sobre fome, pobreza e ação climática centrada nas pessoas”. Este documento, divulgado a 7 de novembro, indica que as alterações climáticas “já estão a agravar a fome, a pobreza e a insegurança alimentar”. A declaração tinha 44 países signatários, nos quais se incluía Portugal. Um dos compromissos assumidos envolve, precisamente, o combate às “atividades ilegais nas florestas” e “a gestão responsável das florestas e da biodiversidade”.
O drama do suicídio
Na sua ação, o padre Eugénio dedica-se, sobretudo, à “pastoral da periferia”, que tem como grande “prioridade” a “formação dos líderes” de âmbito eclesial – e é nesse contexto que se depara com o drama do suicídio. “Um dos desafios, às vezes, é a questão do suicídio, que afeta quase todas as idades. Isso deixa-me preocupado. Como é que ficam essas famílias?”, questiona o missionário, que esteve envolvido na criação de um projeto social que visa acompanhar as famílias das vítimas de suicídio, e que, para isso, recorre a um psicólogo.
Acolhimento a venezuelanos
A questão do acolhimento aos migrantes venezuelanos é outra das áreas a que alguns Missionários da Consolata se dedicam. À semelhança do que se passa em muitas outras regiões do mundo, também os brasileiros vêem chegar ao seu país um grande número de migrantes. “O maior número são venezuelanos”, diz o padre Bento. Todos eles procuram no Brasil melhores condições de vida e os missionários procuram dar uma resposta às suas necessidades mais urgentes. “Na nossa secretaria da paróquia, por vezes, algumas pessoas pedem alimentos. Temos de dar uma resposta quanto a isso. Não tem sido fácil o acolhimento, mas quando há uma atividade, uma missa, pedimos alguns bens básicos para distribuir.”
Texto: Juliana Batista
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