Padre José Matias: “Paixão por Deus e pelo povo”

(Last Updated On: 13/05/2021)
O padre José Matias celebra neste domingo, 3 de janeiro de 2021, as bodas de ouro sacerdotais. Em ano de pandemia, organiza-se a celebração e a festa possível no Bairro do Zambujal e mais tarde na sua terra natal

Nesta entrevista de vida, feita no Bairro do Zambujal, Amadora, onde atualmente o padre José Matias faz missão, percorre-se o itinerário da sua vocação e consagração e, sobretudo, destes 50 anos de ordenação sacerdotal. Este missionário da Consolata dá o seu testemunho e fala das suas experiências missionárias. No domingo, 3 de janeiro de 2021, haverá duas missas (às 9h30 e às 11h) para assinalar este jubileu de bodas ouro sacerdotais.

O surgir da vocação
José Tavares Matias nasceu no dia 28 de setembro de 1944 no Azinhal, uma aldeia da freguesia de Cardigos, concelho de Mação. Filho de João Matias e Palmira Tavares, e segundo de cinco irmãos (quatro rapazes e uma rapariga), o pequeno Matias entrou cedo para o Seminário da Consolata, em Fátima.
Conta que um dia, aos 11 anos, chegou à sua aldeia um padre numa motorizada. Era o padre italiano Aldo Mongiano, missionário da Consolata. Ali se deslocu a partir de Fátima. Ia ele juntamente com o seu irmão guardar um rebanho de gado para o campo quando aquele padre parou mesmo à frente deles e logo perguntou se queriam ser missionários da Consolata.
Não responderam logo, mas “quando eu soube que o meu irmão queria ser missionário eu disse que também queria ir”, explica José Matias. Dito e feito. Entraram no seminário da Consolata em Fátima em 1956.

“Ali”, diz, “gostava muito de jogar à bola e de ouvir as histórias, testemunhos e experiências” dos missionários que chegavam das missões. “Tudo isso, além dos livros que eles escreviam e eu lia, o que me ajudou a conhecer a missão; foi algo que me marcou muito desde o primeiro dia de seminário.”
Chegados ao 7º ano, o irmão deixou o seminário e o pequeno Matias seguiu para a Itália, para o Noviciado, em Bedizzole, Brescia. Seguiu-se a Filosofia, em Rosignano Monferrato, pequeno município da região do Piemonte. Estudos que continuou depois em Fátima, nos Dominicanos, ao mesmo tempo que lhe confiaram a tarefa de assistente de uma turma do quarto ano do seminário da Consolata. Os estudos teológicos tiveram lugar em Turim, no Seminário Teológico. No final, especializou-se em Teologia Dogmática.

“Um dia abençoado”
Por muitos motivos, o dia da sua ordenação sacerdotal – a 3 de janeiro de 1971 – traz-lhe muitas memórias.

“Fui ordenado em Cardigos, a única ordenação que ali aconteceu, até hoje. Foi um dia atípico. Começou a nevar por volta da meia-noite de sábado, e assim continuou cerca de dia e meio. Durante a celebração, entrava neve através dos vidros partidos de uma janela da velha igreja. E caía em cima das pessoas que assistiam. Mal se podia andar na rua. Muitos carros saiam da estrada. Nunca tinham lidado com uma situação assim. Recordo que as mãos do bispo que me ordenou, D. António Moura, bispo de Portalegre, estavam roxas, tal era o frio. Mas a festa foi linda e o povo interpretou como bênção todo aquele manto branco que caiu naquele dia sobre a aldeia.”

Naquele ano foram ordenados 17 colegas do padre Matias, da Consolata, e a todos foi proposto de irem para as missões. O padre Matias foi destinado para Moçambique, a sul do rio Save. Para a missão de Mapinhane-Vilanculos. Ali permaneceu 11 anos, até que, com a Independência de Moçambique, foram todos expulsos. Foi numa altura em que raptaram missionários da Consolata (dois padres e três irmãs). O padre Matias foi para a missão de Inhambane. A pedido do bispo, assumiu a direção do Centro Catequético de Guiúa, onde permaneceu por três anos. Mas a guerra civil fez com que fossem todos mandados embora desse Centro (catequistas, familiares, …).

A pedido da Direção Geral do IMC, assumiu a formação de futuros missionários no seminário filosófico do Cacém, cargo que abraçou após três anos de preparação em Roma, estudando psicologia na Universidade dos Salesianos. No Cacém, fundou com o padre Henrique Pinto, em 1991, os Jovens Missionários da Consolata (JMC) e assumiu a coordenação nacional dos Leigos Missionários da Consolata (LMC). Após seis anos na formação, foi para a comunidade de Águas Santas, onde fundou também o JMC. Ali permaneceu dez anos. “Trabalhava especialmente com os jovens, organizando campos de trabalho, páscoas jovens missionárias, semanas missionárias nas paróquias”.

Após um ano em Fátima, para organizar e trabalhar na Animação Missionária e Vocacional, o superior regional de então, o padre Luís Tomás, pediu-lhe para procurar oportunidades para a Missão Ad Gentes na periferia de Lisboa. E foi a partir da comunidade do Cacém que começou a fazer missão no Zambujal, um bairro social do Concelho da Amadora.

“No princípio ia visitar famílias. Passado um ano celebrei lá a primeira missa, num espaço ainda algo rudimentar. Era o primeiro domingo do advento de 2003, e estavam sete pessoas na missa. A partir dali, celebrava todos os domingos, e a comunidade foi crescendo, crescendo…”, recorda.

Entre 2009 e início de 2016 esteve em Madrid, Espanha, acompanhando os professos que estavam a fazer os estudos de especialização em Teologia.

Moçambique: “Uma experiência que me marcou muito”
Quando o desafiamos a olhar para o retrovisor da sua vocação e consagração missionária, e a explicar o que vê e a experiência missionária que mais o marcou, diz, sem pestanejar:

“Gostei muito da minha experiência missionária em Moçambique. No tempo da guerra, da Independência… Eram muitos problemas, muitas dificuldades… Tiraram todos os privilégios que a igreja tinha. Ficámos sem possibilidade de irmos visitar as comunidades, com os solos minados, entre outros perigos, em que os catequistas vinham buscar os tópicos para a reflexão dominical… Ficámos com o essencial. Tudo isso purificou muito a minha fé, e ajudou-me a ver a vida religiosa de outro modo. Esses foram os momentos em que rezámos mais. Trazíamos a vida para a oração. Foi bonito também ver a passagem de uma igreja sacramentalista para uma igreja ministerial, em que preparávamos catequistas, leigos, para levar por diante o trabalho nas comunidades. Foi uma experiência que me marcou muito. A experiência de faltar praticamente tudo, não era motivo de choro, mas de alegria, não obstante essa carestia, essa falta de coisas essenciais. Andei nove meses a comer sem sal, sem pão. Com as irmãs da Consolata, estávamos mesmo inseridos no meio do povo, na realidade que se estava a viver. Sentíamos que não eramos mais que eles”

O entusiasmo com que fala da experiência missionária em Moçambique é tal, que o deixamos falar, falar, como se não houvesse mais perguntas para fazer. E, chegados aqui, o padre Matias manifesta não ter dúvidas sobre a metodologia missionária em que acredita. E diz, com convicção:

“Aquela, foi uma experiência que nos levou a agarrar o essencial e a desprender-nos de tantas coisas que tínhamos. Levar só o essencial, e o essencial era levar a Palavra, por vezes de motorizada, de bicicleta, porque o carro tinhas as peças partidas.” Além disso, desabafa, “as comunidades tornavam-se mais vivas, mais corajosas, mais dinâmicas. Mesmo no meio de perigos, as crianças queriam ir para a catequese. O sofrimento pelo qual passamos fez florescer algo mais dinâmico, mais criativo.”

No Bairro do Zambujal
O padre Matias voltou ao Zambujal, onde permanece até hoje, no início de 2016. Ali faz comunidade com o jovem queniano padre Geoffrey, e com o Faustino, seminarista moçambicano recém-chegado, para o ano de serviço, ou estágio pastoral.

Desta experiência pastoral diz que é “muito rica”. “É uma missão de proximidade com as pessoas”, sublinha. “Fazer uma missão de rua, de ‘olá! Com as pessoas que vou encontrando, a visita que faço às famílias, o estar com a juventude, interagir com outras entidades do Bairro, como o CAZA, a Partilha, a Pastoral dos Ciganos”, explica.

Finalmente, pedimos ao padre jubilar um pensamento sobre a vida missionária, deixamos ainda a pergunta sobre a pertença ao IMC, e uma oração de agradecimento por este ano jubilar.

Sobre a vida missionária
“A vida missionária é algo que torna a pessoa feliz. Vamos encontrar dificuldades, mas se tivermos uma vida de comunhão com Deus, nunca iremos baixar os braços. É muito bom doar a vida servindo os irmãos. É uma grande consolação dar-se conta que as pessoas que vais encontrar no caminho vão perceber que o amor de Deus passa através de ti para essas pessoas. A vida vale enquanto é doada, enquanto é partilhada. Se fizermos isso, a vida será uma Eucaristia vivente. Por mim, vivi sempre a Missão como uma paixão por Deus e uma paixão pelo povo”.

Voltaria a ser missionário da Consolata?
“Sim, sem dúvida, não duvidaria um segundo. É muito bom ser missionário da Consolata. Que bom encontrar um IMC onde quer que eu vá!”

Uma oração
“Que os meus lábios cantem sempre a misericórdia de Deus, porque Ele pós sempre toda a confiança em mim e sempre guiou os meus passos no caminho da missão. E, assim, não deixarei de o louvar e de agradecer, porque Ele sempre me socorreu nas horas mais difíceis da minha vida missionária.”

Albino Brás