Is 55, 1-3; Rm 8, 35-39; Mt 14, 13-21
1. O projeto de Deus, expresso neste 18º domingo comum, é claro: Que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10). As leituras deste Domingo falam desta abundância e de gratuidade. Já na 1ª leitura o profeta convida toda a gente a beber água, vinho e leite em abundância, sem despesa alguma.
Um sinal claro desta abundância é a multiplicação ou a partilha dos pães no Evangelho, pela qual as pessoas se saciam de pão e de peixe. A situação inicial com a falta de tudo (lugar deserto, falta de alimento, muita gente…) é superada pelo gesto de compaixão de Jesus pelas pessoas.
Perante o problema, os discípulos propõem duas soluções: mandar embora os ouvintes de Jesus ou ir comprar alimentos. Jesus recusa ambas as propostas. Não manda embora as pessoas (Jesus nunca manda embora ninguém de mãos vazias…) e nem sequer fala de comprar alimentos: Em vez de “comprar” Jesus sugere “dar”. “Dai-lhes vós de comer”. É um outro modo de resolver o problema: dar sem calcular, generosa e gratuitamente. E Jesus quer envolver nisto os discípulos: Dai-lhes vós de comer. O milagre parte do pouco que têm e oferecem: cinco peixes e dois peixes, que nas mãos de Jesus se transformam em muitos, e até sobejam: O verbo comprar é substituído pelo verbo partilhar.
Partilhar é a nova palavra de ordem inventada por Jesus.
2. Só a lógica da partilha poderá resolver problemas como a fome do mundo ou as doenças e pandemias. Sem partilha, prevalece a lógica da acumulação pela qual mesmo as grandes multiplicações de bens acabariam nas mãos de poucos. Sem partilha, temos o império do egoísmo. Imaginem a apropriação de uma vacina feita por alguns em detrimento do mundo inteiro. Seria o reino da exclusão e do egoísmo social. Os bens deste mundo são para partilhar, não para enriquecer alguns.
3. São frequentes os apelos dos Papas a esta solidariedade e à partilha, à fantasia da caridade, nos documentos da Igreja. Fixemos a atenção hoje nas palavras sábias do Papa Francisco: “Assim como o mandamento «não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social». Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspetivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do «descartável», que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são «explorados», são resíduos, são «sobras». (EG, 53).
4. A multiplicação ou partilha do pão tem uma intrínseca e tradicional referência à Eucaristia, vista sobretudo como banquete do Pão da vida que se reparte e multiplica para todos. A Eucaristia é o banquete dos povos. Nós cristãos, que temos a graça de nos nutrir com o Pão da Palavra e da Eucaristia, não podemos fechar o coração a ninguém, mas abrir-nos ao diálogo e ao serviço de todos, sobretudo dos mais pobres e marginalizados para que todos “tenham Vida em abundância” (Jo, 10, 10).
Darci Vilarinho