2 Re 4, 42-44; Ef 4, 1-6; Jo 6, 1-15
Para saciar uma multidão Jesus não partiu do nada. Precisou daqueles cinco pães de cevada – o pão dos pobres – para matar a fome dos cinco mil. É suficiente o pouco que temos – essa pequena porção de amor e compaixão, esse minuto posto à disposição, essa pequena medida de generosidade – para derrotar as fomes do nosso mundo. Colocado nas mãos do Senhor, sairá multiplicado esse “pouco” que temos.
O problema é de todos. Lemos no Evangelho de S. João neste 17º Domingo do Tempo Comum: “Jesus, erguendo os olhos e vendo que uma grande multidão vinha ter com ele, disse a Filipe: Onde compraremos pães para lhes dar de comer?”. A proposta dos discípulos diante do problema era despedir a multidão para que pudesse comprar pão noutros lugares. É a solução de muita gente diante do escândalo da pobreza no mundo. Que se amanhem! Mas Jesus rejeita claramente essa solução e insiste: “Dai-lhes vós mesmos de comer!”. Não aceita a solução de lavar as mãos diante da fome alheia nem de cair no assistencialismo. Ele desafia a comunidade dos discípulos a encontrar uma saída baseada numa nova proposta de vida baseada na partilha. Em nenhum dos quatro relatos evangélicos da multiplicação dos pães se usa o verbo “multiplicar”! Os verbos “benzer, partir, dar, distribuir” dizem-nos que todos nós podemos partilhar ou redistribuir os bens materiais e espirituais que Deus nos deu para o sustento de todos!
Uma nova ‘fantasia da caridade’. A nossa participação eucarística exige o compromisso com uma visão social baseada na partilha e não na acumulação dos bens necessários para a vida. É claro que diante do enorme sofrimento da maioria da população do mundo, a gente pode sentir-se tão impotente como se sentiram os discípulos de Jesus. A mesa da Palavra e a mesa do Pão, que sustentam a nossa vida, comprometem-nos com uma visão cristã da sociedade e com a construção dum mundo de justiça e fraternidade. Há dois mil anos, Jesus olhou para a multidão, teve compaixão dela e agiu. Como é que hoje agiria cada um de nós? Precisamos todos de um coração sensível, capaz de se indignar com a fome e com a injustiça, mas disposto a enxergar que o alimento é suficiente para todos e a fome é consequência da má repartição e do egoísmo. Precisamos de combater o vírus do consumismo, do desperdício, do apego, da ambição e da acumulação, para que, vivendo com simplicidade e sobriedade, não falte o essencial para a vida e a dignidade de todos.
Precisamos de políticas alicerçadas em princípios éticos, no uso sóbrio e responsável dos recursos naturais e no respeito da biodiversidade que contribuam para a valorização da pessoa humana. É a pessoa que está em causa, e por isso, dizemos, como João Paulo II dizia, que “é a hora de uma nova ‘fantasia da caridade’, que se manifeste na capacidade de pensar e de ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido, não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna”. Sem esquecer que mais trágica do que a fome física é a fome espiritual predita pelo profeta Amós: “Virão dias, diz o Senhor, em que enviarei fome sobre a Terra, não de pão, nem sede de água, mas de ouvir as Palavras do Senhor”. Que a Palavra do Senhor que ouvimos e rezamos se transforme em gestos solidários.
Darci Vilarinho