Entrevista: Padre Álvaro Pacheco. «Disseram-me: “Agora és um de nós!”»

(Last Updated On: 23/07/2021)
A propósito das suas bodas de prata sacerdotais, o Padre Álvaro Pacheco abre o coração nesta entrevista de vida! No próximo domingo há celebrações especiais na sua comunidade e na sua terra

O Padre Álvaro Pacheco assinala neste 14 de julho de 2021, 25 anos de ordenação sacerdotal. No próximo domingo, dia 18, celebrará eucaristias comemorativas destes 25 anos de ordenação sacerdotal: em Águas Santas (10h) e na paróquia da sua terra natal, em Lordelo (18h). Nascido há 50 anos em Lordelo, Paredes, este missionário da Consolata que um dia quis ser “jogador de futebol, fotógrafo freelancer ou guia turístico”, deixou que Deus lhe trocasse as voltas. Tudo isso e muito mais é o que partilha agora connosco, em entrevista ao site da Consolata em Portugal, repassando alguns aspetos e sentimentos da sua caminhada vocacional, da sua consagração a Deus e à Missão, e da sua rica experiência missionária. – Entrevista conduzida por Albino Brás, missionário da Consolata.

Padre Álvaro, começo com a pergunta clássica: Como surgiu a tua vocação?
Desde pequeno que sonhava com uma vida dedicada a fazer o bem aos outros ou algo de bom para os outros, porém não necessariamente como missionário: sonhava em ser jogador de futebol, fotógrafo freelancer ou guia turístico. Quando andava no antigo 5º ano, o nosso Padre João Monteiro visitou a minha escola e falou-nos do trabalho dos missionários: como gostava de andar na catequese e da figura do meu pároco e, ainda hoje, pároco de Lordelo, Padre Rui Pinheiro, respondi positivamente ao convite de ir conhecer o seminário da Consolata, até porque gostava de conhecer coisas, lugares e pessoas diferentes. De facto, entre os meus programas de televisão preferidos estavam os documentários sobre países e culturas. Vim aqui passar uns dias, exatamente nesta comunidade (Águas Santas) onde me encontro atualmente, e gostei: conheci e fiz novos amigos e, após dois anos e quatro pequenos estágios, entrei no seminário, até porque jogávamos muito à bola, mais tarde vim a tirar imensas fotografias e praticava o meu inglês mostrando esta zona a missionários e amigos provenientes de outros países. Com o passar dos anos, a vocação missionária foi amadurecendo e o amor pela diversidade de povos e culturas também, ajudado e motivado sempre por padres que eram não só um exemplo de vida e entrega a Deus e à missão, como um exemplo de vida vivida na alegria e paixão pela humanidade e, claro, por Deus. Claro que, em toda a minha caminhada vocacional, a presença, apoio e amor dos meus pais, de outros familiares e tantos amigos foram e são peças fundamentais da minha identidade, vocação e missão.

Em todo o percurso da tua formação, tiveste dúvidas vocacionais, ou estava tudo claro na tua cabeça?
É claro que há sempre dúvidas, sobretudo quando se inicia um percurso vocacional com apenas 13 anos. Porém, estas foram sempre esclarecidas através do encontro profundo com Deus, nas pessoas de tantos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que eu chegasse onde estou e sou hoje, bem como através de experiências que me marcaram imenso, incluindo as negativas (por serem motivo e oportunidade de crescimento e renovação) e momentos que me marcaram profundamente, em vários períodos da minha formação e caminhada humana e espiritual.

Alguma memória que queiras partilhar do dia da tua ordenação. E qual foi o lema que escolheste, e porquê?
Confesso que não me recordo do lema ou frase bíblica que escolhi para a ordenação: está em casa, algures entre tantas fotos e documentos daquela altura; porém, escolhi a famosa ida de Jesus à sinagoga da Sua terra, em que foi depois contestado e ameaçado de morte, para me ajudar na partilha que farei nas eucaristias comemorativas destes 25 anos, aqui em Águas Santas (10h) e na minha paróquia de Lordelo (18h), no próximo domingo, dia 18. A citação é a seguinte: “Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito:
*«O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque me ungiu
para anunciar a Boa-Nova aos pobres;
enviou-me
a proclamar a libertação aos cativos
e, aos cegos, a recuperação da vista;
a mandar em liberdade os oprimidos,
a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.» (Lucas 4: 17-19)

Do dia da minha ordenação, que teve lugar na Sé do Porto, presidida pelo Dom Júlio Rebimbas, recordo um dia de calor intenso, centenas de pessoas tentando ver alguma coisa, algumas encavalitadas noutras, muitas outras fora, no recinto, por não haver lugar dentro: éramos sete a ser ordenados e, para meu espanto, demasiados sacerdotes presentes, num espaço muito pequeno para tanta gente. Ainda perguntei, num dos ensaios prévios, porque razão tinha que ser na Sé e não, por exemplo, no pavilhão Rosa Mota, onde caberiam milhares de pessoas que poderiam participar de forma ativa e cómoda na cerimónia; a resposta que me foi dada deixou-me triste e zangado, até: “Porque é a tradição.” E por causa desta “tradição”, afugentamos muita gente da Igreja… Por isso, vivi aquele dia com um misto de louvor/gratidão e desilusão/tristeza, pela forma como as pessoas foram recebidas e tratadas.

Quando dás o teu testemunho missionário falas com pormenor e paixão da Coreia da Sul. Que marcas é que esse país te deixou? Fala-nos dessas experiências?
Sendo um amante da diversidade humana, sobretudo cultural e religiosa, recordo que o primeiro artigo com o meu testemunho sobre a Coreia do Sul intitulava-se “Nascer de novo”, pois foi exatamente isso que me aconteceu: tive que aprender uma língua nova, uma cultura diferente e desafiante, entrar num mundo radicalmente oposto ao meu em muitos aspetos, sobretudo a nível religioso e de conceitos como amizade, família, entre outros. Marcaram-me imenso alguns dias especiais: quando celebrei pela 1ª vez a missa em coreano, em casa e numa paróquia, o dia quando, já capaz de beber cerveja (era abstémio até então) e de comer picante, me disseram “agora és um de nós”, o dia em que terminei o curso básico da língua coreana, o dia em que celebrei a 1ª missa sem ler a homilia (falei somente 2 minutos, tremendo e suando por todos os lados). Marcaram-me também as experiências de colaboração nas paróquias, os fins-de-semana missionários, o acompanhamento espiritual de alguns membros da comunidade brasileira, as viagens missionárias que fiz à Mongólia, Tailândia, Hong Kong e Filipinas, o ter sido diretor da nossa revista “Consolata” durante 15 anos, o convívio e colaboração com outros missionários estrangeiros, as amizades que criei com colaboradores e amigos da Consolata, bem como com fiéis de várias comunidades paroquiais, incluindo um ou outro pároco, entre outras. Marcou-me também imenso o contacto com a cultura e tradição budista, bem como com outros elementos caraterísticos da fascinante cultura sul-coreana.

Que importância dás a esta celebração, das tuas bodas e prata sacerdotais, na tua terra e junto dos teus?
Dou imensa importância, pois foi na minha terra que a minha vocação nasceu e cresceu: sempre tive o apoio fantástico de toda a minha família, começando pelos meus pais, familiares e amigos. De entre eles, destaco o meu pároco, Padre Rui Pinheiro, que sempre acarinhou a minha decisão, como fez com todos os que, de Lordelo, foram ordenados sacerdotes. Mais ainda, porque sei que tem uma “mágoa” em seu coração: o não haver um sacerdote diocesano natural de Lordelo; porém, o seu apoio foi sempre incondicional e, como tal, a minha vocação é também, em boa parte, fruto da sua Amizade e apoio.

Passam 25 anos de vida sacerdotal, como missionário da Consolata. Quais os sentimentos que te habitam neste momento?
O sentimento que prevalece na minha mente e no meu coração é o de GRATIDÃO, a Deus e a tantas pessoas, algumas já falecidas, muitas outras ainda comigo; esta profunda Gratidão reúne todos os outros sentimentos que levo no coração.

Voltarias a ser missionário da Consolata?
Claro que sim, pois não trocaria tudo o que Deus me ofereceu e proporcionou até hoje por nada e ninguém neste mundo. Sempre vivi a minha relação com Deus baseada nesta premissa: nunca lhe peço nada, pois sei que me dará muito mais e melhor do que poderia pedir. Sempre foi assim e acredito que seguirá sendo assim.

O que dirias a um jovem com inquietudes vocacionais, hoje? Vale a pena ser padre, e missionário da Consolata?
Que se deixem cativar, apaixonar e motivar pela possibilidade única de crescerem e partilharem o que são com povos e culturas fascinantes e, claro, desafiantes. É deste desafio que, ao ser aceite, somos transformados, de forma profunda e total, encontrando não só meios e modos de crescer como ser humano e cristão, mas também no conhecimento experiencial de Deus e do próximo, vivendo uma vida com sentido, profundidade e como dom para outros.