“Em Fátima temos um retrato da humanidade”

«A sociologia da peregrinação diz-nos cada vez mais que os peregrinos de Fátima são um retrato da humanidade», afirma Marco Daniel Duarte, diretor do Museu do Santuário de Fátima

Marco Daniel Duarte – diretor do Serviço de Estudos e Difusão do Santuário de Fátima, onde dirige o Museu da Instituição, e do Departamento do Património Cultural da Diocese de Leiria-Fátima – considera que apesar de «ainda existir um grande preconceito com relação a Fátima», os tempos estão a mudar: «Fátima, quer queiramos quer não, tem estado a ser avaliada com mais maturidade. Isto deve-se a uma dignidade de posicionamento que os 100 anos já nos conseguem transmitir», sustenta.

Estas afirmações foram feitas durante o último ‘Chá com Arte’ da segunda temporada, que teve lugar na noite desta terça-feira, 30 de maio, no Consolata Museu | Arte Sacra e Etnologia, numa parceria com a Liga de Amigos deste Museu dos Missionários da Consolata, em Fátima.

A partir do tema «Arte Sacra em Fátima», o convidado desta sessão esteve à conversa com Gonçalo Cardoso, diretor do museu, e, de uma maneira informal, discorreu sobre as mais variadas vertentes e manifestações da arte sacra nesta cidade-santuário.

Para este investigador, Fátima «tem um poder de atração muito grande sob o ponto de vista religioso no país». Diz que muitas comunidades religiosas se sediaram em Fátima e foram dando corpo «às mais variadas formas artísticas experimentadas ao logo dos séculos». Fátima, acrescenta, é «um dos lugares do país que nos serve de laboratório para entendermos o que foi a arte religiosa, a arte sacra, ao longo do século 20, sobretudo a partir dos anos 40». Fica contente ao perceber que o Santuário começou «desde cedo» a chamar «os artistas de primeira água, investiu na monumentalidade das construções, e as outras congregações religiosas chamaram aquilo que lhes favorecia a sua forma de estar».

Nesta perspetiva, Marco Daniel exemplifica com «boas manifestações artísticas na arte sacra, mas também na arquitetura civil». É o caso do Seminário da Consolata e do Verbo Divino, a Casa das Dominicanas e o Domus Pacis -edificações que «têm uma monumentalidade muito clara, com uma arquitetura inspirada na arquitetura barroca, que confere uma monumentalidade segura, lembrando o tempo do triunfo da Igreja», explica. Um tema que Marco Daniel lamenta que esteja ainda por estudar.

Das melhores praças do mundo

Marco Daniel afirma que em Fátima «há boa arte e há arte menos interessante, como há em todos os lados». Mas lamenta que ainda haja «determinados preconceitos ideológicas que toldam a nossa forma de olhar para as peças».  Diz que «a arte contemporânea não é menos importante que a arte antiga» e dá como exemplo os painéis da Via Sacra que estão na colunata do santuário como do melhor que se fez em arte sacra em Portugal. «E isto tem que ser dito, contra todos os preconceitos», pontualiza.

«As quatro grandes esculturas que temos na colunata do Santuário – Santo António, São Nuno de Santa Maria, São João de Deus e São João de Brito, são das melhores peças que os estatuários em Portugal fizeram. Foram no Estado Novo? Sim, mas qual é o problema?», desabafa, reagindo aos críticos.

Defende que em Fátima trabalharam os melhores autores do país depois do 25 de abril. Já na década de 80, longe do Estado Novo. Nesta linha, Daniel, dá como exemplos Júlio Resende e Lagoa Henriques, entre outros. «O Santuário de Fátima é uma das instituições que mais obra encomenda aos artistas portugueses».

Por fim refere a Praça (recinto) do Santuário, para dizer que é das praças «mais bem feitas no mundo», e lamenta: «em Portugal não sabemos disso». Quem o diz – informa – são especialistas internacionais: «É um exercício de urbanismo como não se vê em qualquer parte», conclui.

Não fazemos distinção de peregrinos

Em Fátima há muitas obras com qualidade que estão aos poucos a entrar nos livros de arte. Dá o exemplo da igreja dos Dominicanos, do arquiteto Luís Cunha, a primeira a ser construída em betão, e que é citada nos livros de arquitetura. «Não se pode estudar a arquitetura contemporânea em Portugal sem passar por Fátima», precisa.

Referindo-se ao Museu do Santuário – uma das instituições mais antigas da Cova da Iria, e onde se podem encontrar objetos dos pastorinhos mas também dos primeiros peregrinos de Fátima – Marco Daniel aponta uma particularidade deste Museu: «Não tem peças que sejam compradas». E há uma explicação: «O Santuário só compra obras de arte para os lugares de culto; não as adquire para o seu Museu». O que ali se pode encontrar é, sobretudo, «o que os peregrinos legam à Virgem de Fátima». Desde os peregrinos «mais anónimos, de quem nem conhecemos os nomes, até aos peregrinos mais famosos, como são os cardeais e até os próprios Papas», esclarece. E, se dúvidas houvesse, adverte: «Todos os objetos são tratados com a mesma dignidade, do coração de cera ao coração de prata». «Não fazemos distinção segundo quem doa», conclui.

Questionado sobre a crescente qualidade das exposições temporárias produzidas pelo Santuário, começa por dizer que «os peregrinos do Santuário estão cada vez mais exigentes». «Tem-se a ideia que os peregrinos de Fátima são todos pobrezinhos e ignorantes. Este ano notou-se que a Comunicação Social já os começa a descrever de modo diverso». Em Fátima «temos um retrato da humanidade». Temos os peregrinos «mais cultos e mais exigentes do ponto de vista académico, como temos os peregrinos que, mesmo que não tenham uma cultura livresca, tem uma cultura de vida muito vincada, muito forte». «A sociologia da peregrinação», explica, «diz-nos cada vez mais que os peregrinos de Fátima são um retrato da humanidade». Isto faz com que se sintam desafiados, através das «exposições que fazemos, a nos fazermos entender por quem nos visita».

 

Albino Brás