A fé na hora da provação

(Last Updated On: 13/05/2021)
Padre Stefano Camerlengo, Superior Geral dos Missionários da Consolata, na sua mensagem para a festa do Beato José Allamano deste ano, convida-nos a que, como Allamano, cultivemos “o sentido da esperança”

Mensagem para a Festa do Fundador (16 de fevereiro de 2021)

“A tristeza turva a mente, arrefece a vontade, e tira a paz. Vençamos a tristeza pela oração e pelo desejo de nos santificarmos, contentes com o nosso estado atual, aceitando o bem e o mal das mãos de Deus; e pela paciência em suportar a adversidade. Façamos o propósito de viver uma vida santa, alegre e fervorosa”. (José. Allamano)

“Allamano não levou a vida de ânimo leve: tentou avançar sempre olhando em frente, não esperando, mas fazendo a vontade de Deus e, superando obstáculos e dificuldades, subiu bem alto para brilhar como o sol da fidelidade e correspondência ao seu Deus”. (Testemunho do Padre J. Nepote)

Caros missionários, amigos, familiares e benfeitores;
A festa do nosso amado Fundador reúne-nos, este ano, num momento muito especial, certamente sem precedentes, triste e doloroso. O mundo inteiro ainda está no meio de uma pandemia que, apesar das esperanças e promessas, nos deixa a todos perplexos, receosos, e incapazes de dar respostas razoáveis e úteis. Este nosso é um tempo difícil, em que o medo é quase um companheiro de viagem, levando-nos a erguer muros, a fecharmo-nos em nós próprios. Esta “crise”, que não é apenas de saúde ou económica, está a “roer” a nossa segurança e, consequentemente, também as nossas convicções de fé e o apego à nossa vocação missionária.
Quando somos atingidos por aflições, problemas e dificuldades, o que precisamos é de saber como perseverar nas situações frequentemente desagradáveis que enfrentamos, aprendendo com o nosso Fundador.
Portanto, não nos é possível celebrar o dies natalis daquele que é nosso pai e guia, sem rever as suas atitudes e convicções face a não poucos momentos de crise e dificuldade que constelaram a au longa vida. Etapas da sua vida que nos são bem conhecidas:

• os muitos anos de espera, desilusões, incertezas e paciência, antes de poder dar início ao Instituto;
• as difíceis e esgotantes pausas nas “relações humanas” (infelizmente com as autoridades de outros Institutos missionários) para se poder entrar no Quénia e na Etiópia;
• os anos dramáticos da Primeira Guerra Mundial (com a fome e os muitos missionários arrancados da Casa Mãe, enviados para a frente de batalha), seguidos pela pandemia da gripe “espanhola” (que, entre 1918 e 1920, matou milhões de pessoas no mundo);
• Mas, sobretudo, o último e doloroso período da sua vida, que fez um dos nossos missionários da primeira hora escrever: “Eram os tempos em que cada membro do Instituto se sentia orgulhoso de ser filho de tal Pai… Mas o Senhor, nos seus inescrutáveis desígnios, quis permitir ao nosso Fundador, nos últimos anos da sua vida bebesse o cálice amargo que tornou a sua figura mais radiante aos nossos olhos”.

Algumas pérolas de sabedoria úteis para viver em tempos difíceis; atitudes face às dificuldades
Nesta situação complexa e complicada há uma enorme necessidade de se deixar iluminar pelo Evangelho a fim de colaborar na construção de um futuro diferente. Como missionários, temos uma grande responsabilidade a todos os níveis. Devemos cultivar o sentido da esperança, o qual nos torna capazes de pensar e caminhar para um futuro que ainda não existe. I fim e o princípio encontram-se. Proponho, para a nossa reflexão, algumas frases do nosso Fundador que nos podem inspirar no difícil caminho da vida e da missão:
• Quando faleceu o Padre Costa, diretor da Casa Mãe, Allamano disse aos seus alunos: “Temos de repetir: não compreendo nada, não sei nada, mas sei que é o Senhor. Estes são momentos em que outros perderiam a cabeça, mas nós que temos fé devemos pensar que é o Senhor quem age” […].
• “O Senhor tem a visão longa; Ele determinou este caminho desde toda a eternidade… Eu aceito tudo, eu quero tudo, e este seja o nosso propósito, e não procuremos nada mais”.
• “Eu digo, sem ser Job, para mim mesmo: um mensageiro anuncia uma coisa dolorosa, depois outro, e mais outro desastre…e então? O Senhor deu, o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor! As coisas devem ser recebidas das mãos de Deus e dizer: Não a minha vontade, mas a tua seja feita, Senhor! […] Alguns têm uma fé suficientemente viva, mas têm pouca esperança, não são capazes de alargar os seus corações. Alarguemos os nossos corações a uma esperança viva. E não apenas esperança, mas super-esperança, esperança contra toda a esperança. Quando se espera pouco, faz-se mal ao Senhor, que quer que todos os homens sejam salvos. […] Fazei as coisas com a maior perfeição, e não penseis no que vai acontecer; rezai, rezai muito e… esperemos!”.
• “Nem podemos esconder o facto de a todos os sofrimentos físicos terem sido acrescentadas dores morais muito profundas. Foi Deus que permitiu e arranjou isto para purificar cada vez mais o Seu fiel servo, para tornar a sua coroa de justiça mais resplandecente e para atrair bênçãos mais abundantes sobre as obras que fundou… Bebeu a taça amarga do Getsémani e escalou o Calvário passo a passo, até que, num momento de suprema desolação, exclamou: Bem, significa que à coroa dos virgens e confessores, o bom Deus acrescentará também a dos mártires” (P. L. Sales).
• O cónego J. Cappella, sucessor de Allamano no Santuário da Consolata, pôde afirmar: “Tive a oportunidade de o observar durante muitos anos e posso testemunhar que em todas as circunstâncias, tanto felizes como dolorosas, o encontrei sempre igual a si mesmo: sempre amoroso e nunca piroso, sempre irmão mais velho e pai que acolhe com bondade, que ama verdadeiramente de acordo com o espírito de Nosso Senhor”.

O exemplo do nosso Fundador: oração e missão!
As palavras, mas sobretudo os exemplos do nosso Fundador iluminam assim este “tempo de provação” que estamos a viver e que, impiedosamente, nos faz tocar de perto as nossas próprias fragilidades. Mas se encontrarmos a coragem e a humildade para dizer que este é também um tempo do Espírito, não seremos esmagados ou derrotados, mas manteremos a confiança íntima de que: da morte, pode nascer a vida; das trevas, a luz; do pecado, a graça.

E isto será possível se não nos fecharmos, amedrontados, em nós próprios, se tivermos a coragem de continuar a proclamar o Evangelho sem medo. Não tenhais medo, diz o Senhor: não nos devemos deixar assustar por aqueles que tentam extinguir a força evangelizadora com a arrogância e a violência. O único medo real que devemos ter é o de perder a proximidade e a amizade com Deus. Não tenhais medo, porque mesmo que passemos por estas e outras armadilhas, a vida dos discípulos está firmemente nas mãos de Deus, que nos ama e nos protege. O envio em missão feito por Jesus não garante o sucesso dos discípulos, tal como não os protege do fracasso e do sofrimento. Devemos ter em conta tanto a possibilidade de rejeição como de perseguição. Isto é assustador, mas é a verdade, como nos lembrou o Papa Francisco em 2017, porque “a missão cristã não existe sob a bandeira da tranquilidade. Dificuldades e tribulações fazem parte do trabalho de evangelização”. Deus cuida de nós, porque grande é o nosso valor aos seus olhos. O que é importante é a franqueza, é a coragem do testemunho de fé: reconhecer Jesus perante os homens e ir em frente fazendo o bem.

Muitas vezes acreditámos que para anunciar o Evangelho bastasse o nosso entusiasmo, a nossa paixão, a nossa preparação. Muitas vezes, nas nossas comunidades, começámos com belos impulsos, com grandes intenções e depois desanimámos após um curto período de tempo. É Jesus que nos diz que se tivéssemos uma fé tão grande como um único grão de mostarda seríamos capazes de arrancar enormes plantas do solo. Perguntemo-nos: concretamente, o que somos nós e o que faço eu e fazemos nós para permitir que Jesus aumente a minha e a nossa fé?

Aqueles que servem a Deus, fazem-no com liberdade de coração, sabendo que a doação de si próprios vem em primeiro lugar. Aqui reside a raiz do nosso serviço, na Igreja e no mundo. Ser servos “inúteis” não significa servos que não valem nada. Mas antes servos “sem lucro”, ou seja, que dão sem pedir nada em troca. E isto será possível se tivermos a coragem de nos ajoelharmos em diálogo com Deus, confiantes, esperando “contra toda a esperança” (Rm 4,18).

A nossa “oração obstinada” irá assim impulsionar-nos a elevar o nosso olhar e a espreitar à distância, a olhar para os outros e para a sua história com olhos diferentes, com um coração novo, iluminado e moldado pela sabedoria do Evangelho… tal como escrevi a todos vós, queridos missionários e amigos, na minha recente Mensagem de Natal recordando que: “existem muitas pessoas, e são milhões, que vivem há muitos anos no meio do vírus da guerra, fome e sede, vítimas da malária e da lepra. O medo do vírus, a pandemia, não nos deve fazer cair em autorreferencialidade, em preocupação apenas por nós próprios. Devemos alargar o nosso olhar e ser solidários com os mais pobres, os últimos, os mais abandonados, que continuam sendo os nossos amigos favoritos, aqueles para quem escolhemos a missão e que levamos no nosso coração, e com quem queremos continuar a servir esta nossa querida humanidade”.

E foi isto que Allamano nos lembrou mais uma vez quando afirmava: “Uma comunidade, onde todos fizessem este propósito, tornar-se-ia um paraíso precoce. Haverá sempre fraquezas, mas estamos aqui para nos aceitar, apoiar e santificar. Não devemos ceder à melancolia; em vez disso, devemos colocar tudo nas mãos de Deus e desta forma construir-nos uns aos outros e construir também outras pessoas…Gosto daqueles que estão sempre na vontade de Deus, que procuram e encontram a própria segurança nas Suas mãos. Como é agradável quando se puxa em frente; vai-se para a frente, sempre em frente! Quero que vos sintais alegres. Deveis estar bem no corpo e na alma. Eu quero que o espírito de tranquilidade, de simplicidade, e de serenidade seja preservado e cresça cada vez mais. Este é o espírito que eu quero”.

Coragem – então, e – para a frente in Domino! Sempre, mesmo nesta época de provação, crise e… de graça!

Pe. Stefano Camerlengo, IMC Superior Geral

Leia AQUI a mensagem do padre Stefano.