1º Domingo da Quaresma – Ano A

Entrar com Jesus no deserto

Gn 2, 7-9; 3, 1-7; Rm 5, 12-19; Mt 4, 1-11

1. “Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto a fim de ser tentado pelo diabo…”, diz-nos o Evangelho deste 1º domingo da Quaresma. Jesus tinha acabado de ser batizado no rio Jordão. Tinha a consciência de ser “o Filho muito amado do Pai”, enviado para anunciar a boa nova aos pobres, curar os corações feridos, pregar o Reino e amar a todos até à doação da própria vida. Mas antes de iniciar essa atividade apostólica, Jesus sentiu a necessidade de jejuar, rezar, meditar e lutar, em profunda solidão e silêncio. Não foi para fugir das pessoas, porque para elas tinha sido enviado. Foi antes para tomar consciência da sua missão e não se desviar do projeto do Pai.

2. Respirar por dentro – Há momentos na nossa vida em que todos sentimos a necessidade de sair da confusão em que tantas vezes nos encontramos e de retirar-nos para um lugar isolado, à procura do essencial. Precisamos de deitar contas à vida, entender quem somos, onde estamos, com que objetivos vivemos, com que forças podemos contar. Afogados neste mundo contemporâneo ou desorientados na vida, procuramos meios para fugir à opressão da sociedade e poder respirar espiritualmente.
A tradição da Igreja sempre nos disse que Deus se encontra no silêncio e a Quaresma é tempo propício para isso: subtraindo-nos ao barulho e às solicitudes externas, reencontrar o caminho do nosso coração e entrar em contacto com as profundezas do nosso ser. Fiquem de fora os rumores e as luzes, os vídeos, os cedês, os ipads ou os iphones e os tablets: passemos do virtual ao real.

3. Remover tudo – Pede-nos S. Anselmo, um grande filósofo e teólogo do séc.XII: “Deixa um momento as tuas ocupações habituais, ó homem; entra um instante em ti mesmo, longe do tumulto dos teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te apoquentam e liberta-te agora das inquietações que te absorvem. Entrega-te uns momentos a Deus. Descansa por algum tempo na sua presença. Entra no íntimo da tua alma. Remove tudo, exceto Deus e o que te possa ajudar a procurá-lo. Encerra as portas da tua habitação e procura-o no silêncio”. “Ao deserto te conduzirei e falarei ao teu coração”, lê-se no profeta Oseias. A palavra de Deus é abundante neste tempo litúrgico para nos propor o caminho certo, para nos levar à revisão de vida, à conversão, ao encontro com Ele através de seu Filho que nos revela todo o amor que o Pai nos tem. Impele-nos o mesmo Espírito que impeliu Jesus, porque “todos os que se deixam levar pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”.

4. Há outros desertos – E o Espírito levar-nos-á à oração, à conversão, à sobriedade de vida e à renúncia em vista da solidariedade e da partilha. Quem verdadeiramente entra em contacto com Deus e não pode fechar o seu coração aos problemas deste mundo, até porque há hoje, no dizer de Bento XVI, muitas formas de deserto que reclamam a nossa atenção: “o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede; o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Existe também o deserto da escuridão de Deus, do vazio das almas que já não têm consciência da dignidade e do rumo do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores se tornam muito grandes”. E é bem verdade.
Entremos então com Jesus no deserto da Quaresma para, com Ele, enfrentarmos os desertos do mundo. Com Ele rezemos, jejuemos, lutemos e vençamos. Vencendo o espírito do mal, que é egoísmo e divisão, escolhamos com Jesus o projeto de Deus que passa pela vontade do Pai no amor e na partilha solidária.

Darci Vilarinho